domingo, 29 de junho de 2014

Insonso, inexpressivo e frígido.

Eu me alimento de contos de fadas e releituras de obras. Não são as únicas coisas que compõem minha dieta, afinal, como me apontou uma amiga, butthurt alheio e lágrimas de recém-nascidos são intensamente saborosos.
Crianças não domesticadas por seus pais, quando bem assadas e servidas com uma maçã na boca e um pouco de tempero de limão são de uma crocância irresistível também. As que foram condicionadas para viver em sociedade são liberadas.


Regina, a Rainha Má.
Este meu gosto por contos de fada e releituras influencia pesadamente o que eu leio, assisto e jogo. Isto me leva a devorar com fervor basicamente todos os filmes da Disney, todos os livros do Gaiman, ser apaixonado por Regina, a Rainha Má de Once Upon a Time (que talvez um dia ganhe um post próprio) e consumir zilhões de obras baseadas nos contos dos Irmãos Grimm, das Mil e Uma Noites, do folclore japonês e mais uma infinidade que não tenho espaço o suficiente para preencher.

Caramba, até mesmo os filmes inspirados em um certo deus guerreiro europeu anti com cabelos mais sedosos que os de uma diva de comercial de shampoo eu assisto. E eu gosto.

Não preciso expor meu amor pelos livros do Gaiman e nem pelo Gaiman, todos sabem que estas palavras chave me summonam de qualquer lugar que eu esteja, e ver uma pessoa com uma camisa de Sandman me faz ricochetear nas nuvens.

Snow em The Wolf Among Us
Algumas semanas depois de me prostituir para comprar Cinderella, spinoff de Fables em que a protagonista é, adivinhe, Cinderella, eu forcei meu dinheiro na tela do computador e levei The Wolf Among Us, outra adaptação/spinoff de Fables para videogames, onde você joga com The Big Bad Wolf tentando resolver Mistérios de Assassinato (High-5 pela referência a Neil Gaiman o/).  Este me encantou por diversos motivos, entre eles por ter a primeira Branca de Neve que 
a) tem personalidade
b) é linda (embora eu possa ter atribuído o "linda" por estar encantado pelo fato de que ELA TEM UMA PERSONALIDADE!!!)

Peço a quem ainda estiver vivo lendo, minhas sinceras desculpas pela prolongada introdução, e digo que isso não vai se repetir (mentira, vai sim, sou desses -inserir gargalhada maligna-), pois neste momento chegamos ao meu ponto de liaison.

Branca de Neve.

Personagem insuportável, sem graça, sem sal, metida e que é invariavelmente suplantada em charme, personalidade, apelo e beleza pela Rainha Má. Na história original foi assim, no filme da Disney de 1900 e Meu Calendário Não Vai Tão Longe foi assim, em Once Upon a Time foi assim (Mary Margaret/Snow é aceitável, mas é completamente eclipsada por Regina. Regina S2) e, principalmente, em Branca de Neve e o Divo Loiro Caçador.

Às vezes um personagem cai como uma luva para o ator. A Lena Headey é perfeita para o papel de Cersexy Cersei. O Robert Downey Jr. é inegavelmente o Stark. Courtnee Draper é a Elizabeth.
E às vezes a atriz é a Kristen Stewart.



De uma certa forma, ela foi perfeita para o papel de Snow, pois assim como sua personagem, ela é insuportável, sem graça, sem sal, e mais uma vez foi suplantada em charme e beleza pela Rainha.
Personalidade nem tanto, porque a Aeon Flux não convenceu muito também não.

Contando com um roteiro genérico sobre como a Rainha matou o pai de Snow, e por algum motivo se apiedou dela, e blá blá blá Príncipe Apaixonado completamente estereotipado que não vou mencionar mais e nesta única menção ele teve mais atenção do que no filme completo, blá blá blá, a Rainha tem uma justificativa blá blá blá má atuação de todas as partes blá blá blá, dormi no meio do filme. Há um plot twist tão previsível que chega a dar dó, e a Rainha querendo dar uma de Elizabeth Barthory simplesmente não convenceu.
O filme é monótono do início até o meio. No meio Snow White morre. Este é o ponto alto do filme, e da atuação de Stewart. Eu nunca vi um cadáver mais convincente. Quando vi ela comendo a maçã eu quase derramei uma lágrima. Então ela acordou e fez um discurso que é um misto de emoções conflitantes: eu não soube se dormia de tão tedioso e inexpressivo ou se chorava de tão ruim.
Na verdade, eu fiz os dois.

Desculpem pela péssima qualidade. É melhor assim.


Esta foi a minha reação à cena acima. Snow não conquista nada pelo que ela faz. Ela conquista pelo que ela é. Apenas. Há uma doçura inerente que me faz querer vomitar. A filmografia é feia. O "amor" demonstrado no filme não é mais do que uma amálgama de estereótipos e previsibildades.

Esta masturbação fílmica se arrasta durante 100, 120 minutos, que mais parecem uma vida inteira.

Eu não esperava nada da Stewart. Eu nunca fui com a cara dela. Eu esperava um pouco da releitura per se. Eu esperava um pouco do Caçathor, mas a única coisa que ele faz é aparecer bonito e machista na câmera esfaqueando pessoas enquanto mantem o cabelo impecável. E, principalmente, eu esperava muito mais da Rainha.
É fácil eu me adorar um vilão/antagonista/anti herois..
Eu amo Jackal. Amo de tesão, paixão a Lana Parrilla como Regina (sim, já sei que disse o nome dela umas cinquenta vezes, mas o sarcasmo, charme, personalidade e dedicação são palpáveis... Ela merece) Adoro Handsome Jack e seu humor ferino. Rumple, Malévola (S2 S2 S2 S2) e Loki são amorzinhos também. Scar, apesar de odiá-lo pelo que faz com Mufasa, é charmoso e sarcástico.
Uma última menção honrosa vai a Snape.
Charlize Theron não despertou isso. Nem um mesmo sentimento de pena quando há um flashback para a infância dela: Ravenna não foi cativante.
Os personagens são extremamente mal construídos, e o personagem de maior profundidade (este seria o Espelho, Espelho Meu) está mais alto que os Alpes Suíços. Os outros são meramente cascas vazias, folhas secas.

 Agora, ISSO SIM é um vilão.

O filme tenta inserir temas como vilões justificados e machucados, "feminismo" (atenção para as aspas enormes, a "feminista" tem o discurso de que todos os homens são seres desprezíveis),  e a importância da infância na nossa vida adulta. Tenta. O resultado é, sob última instância (e sob primeira também), uma tragédia. O filme é completamente insonso, inexpressivo e frígido.
Ah, eu não falei ofensivo. Apenas dois exemplos, não entrarei nem na seara do racismo, pois não existem negros no mundo ou o machismo do Caçador, um bêbado estereotipado que não fez absolutamente nada para merecer seu nome no título, e que cuja simples existência me ofende como uma pessoa, e mais ainda como um homem. Tá, entrei. Novamente, sou desses.
Em uma dada cena, Snow encontra mulheres de um vilarejo sem homens. Todas tem cicatrizes no rosto. Papo vai, papo vem, uma delas diz à nossa querida protagonista que as cicatrizes são para protegê-las da Rainha, pois deixando de serem bonitas, estariam protegidas de Ravenna. A estratégia foi inteligente, isto eu tenho de conceder.
Mas eu me senti pessoalmente ofendido. Sempre tive muita acne, e o resultado disto é mais de uma centena de cicatrizes de acne espalhados por todo o corpo. Cicatrizes são, em sua maioria, eternas.
O outro ponto extremamente ofensivo é uma das próprias motivações da Rainha, que é pautada num discurso extremamente falho também: o envelhecimento feminino é uma coisa negativa, ruim, a ser evitada, e quando a mulher envelhece, perde toda a sua beleza e poder.




Há, no entanto, uma parte inegavelmente boa: os créditos. Por quatro motivos.

O primeiro é que a arte é bonita. O único momento em que a filmografia foi bem feita nesta massa desconjuntada de erros.
Segundo, o nome das atrizes vem antes dos nomes dos atores, o que, infelizmente, ocorre em pouquíssimos filmes.
O terceiro motivo é que O FILME ACABOU, simplesmente.

Tudo isto não chega nem perto da alegria que é o quarto.


Feche os olhos,  coloque o fone, e comece a cantar junto com a Flo.
Quando a voz da Florence preencheu meus ouvidos, aquele tédio todo foi momentaneamente esquecido. Desde então eu estou escutando ela repetidamente. Amo essa música desde antes do lançamento desse "filme", e sabia que ela aparecia em um momento dele. Mas a alegria foi intensa.

Minha reação exata foi esta.

A versão acima não tem a música completa, mas gosto de coisas em preto e branco, e a Flo tá linda.

Se alguém quiser, aqui está a música completa.

Na verdade, estou ouvindo ela neste exato momento. Amo músicas com choirs. E eu bato palmas ritmadas para pelo menos metade das músicas dela, haha.

Talvez um dia eu escreva sobre alguns dos personagens que citei aqui.
Talvez um dia eu escreva sobre algumas das releituras que realmente foram boas.
Talvez um dia...

Enquanto este dia não chega, enquanto este fervor não começar a se espalhar do meu coração até as minhas pernas...


"And my heart is a hollow plain, for the Devil to dance again."


4 comentários:

  1. Você escreveu mesmo esse post enorme só para dizer que odiou "Branca de Neve e o Caçador"??? Uau!!! kkkkk Eu também dormi enquanto assistia esse filme e eu ainda fiz mais, eu li o livro feito a partir do roteiro do filme... Esse filme é problematico mesmo em vários aspectos e a questão da cicatriz, eu me pergunto, será que uma cicatriz basta mesmo para nos tornar feios? O que é mesmo alguém belo? A beleza e a feiura são tão relativas, são construções culturais que mudam tanto... Talvez nós devessemos mesmo desconstruir os padrões de beleza para quem sabe viver em um mundo no qual todos se aceitassem e fossem menos infelizes por conta da estética. A parte isso, gosto da Kristen Stewart por conta de "Doces Encontros" [http://www.adorocinema.com/filmes/filme-130836/], nesse filme ela está muito parecida com uma de minhas primas, muito mesmo, até o cabelão e o que ela faz com ele... Ai minha fidelidade afetiva me impede de desgostar dela. Eu também curto Fábulas, também amo conto de fadas [aliás depois de "O grande massacre dos gatos" passei a amar mais] e suas adaptações, amo Sandman e se conhecesse alguém que pinta camisas de forma decente talvez já tivesse uma camisa com a Death...

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    1. Sabe, Jaci, como já te disse, eu não odiei o filme.
      Eu me decepcionei.

      Quanto a Fábulas, sempre achei uma pena a super exploração deste mercado no Brasil, bem como a baixa qualidade das traduções e as atitudes das editoras em geral.

      Um dia precisarei de uma camisa de Sandman, assim como uma ou cinco taguagens, mas eu resisto bravamente a comprar uma.

      Nos falamos no WA mais tarde XD

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  2. Eu achei o filme uma grande droga, mas discordo dessa visão de que "o discurso da rainha é ofensivo" e "as cicatrizes nos rostos são ofensivas". São coisas erradas, lógico, mas as histórias agora devem prestar-se apenas a mostrar personagens que fazem tudo politicamente correto, incluindo os vilões?
    A rainha acredita que a velhice acaba com a beleza e feminilidade. Ela não pode acreditar nisso, só porque é ofensivo?
    Tenho medo que a patrulha do politicamente incorreto ceife completamente a criatividade dos autores para a ficção. A ficção não precisa ser feita para mostrar o puro, bom e correto. A ficção imita a vida, que é imperfeita, cheia de injustiças, visões deturpadas e absurdos.
    Temo que assim, vendo-se ofensas em tudo, voltemos à época em que Oscar Wilde foi preso por sua obra, pois era "ofensiva".

    Ademais, ótimo texto.

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    1. Olá, Kristal...
      Bom te ver por aqui.

      Não acho que a ficção imite a vida. Sempre discordei disso. A minha visão é que cada única obra é um universo, com regras e costumes próprios. A leitura que cada um de nós faz de ditas obras perpassa, obviamente, nosso conhecimento de mundo.
      Meu professor de Linguística Textual teria um infarto se me escutasse dizendo isso. Contexto, exterioridade, informações sobre o autor e afins são interessantes, mas não penso que sejam condição sine qua non para o entendimento de obra alguma.

      Acho que as visões que como a da Rainha são extremamente importantes ideologicamente, contanto que sejam problematizadas e/ou tenham algo de importante a dizer, tanto para os personagens quanto para a audiência.

      Gostei muito do seu comentário. Acho que de oposições assim surge espaço para crescimento.
      Obrigado pelo elogio e por vir aqui.

      Bons sonhos ;)

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